Quem já ouviu falar em Mairiporã? Hoje em dia provavelmente é sinônimo de abandono, crime e para raras pessoas ainda é uma passeio de fim de semana ou moradia de gente que trabalha em todos os lugares da grande SP.
Mas o fato é que a cidade cresceu e desde seu surgimento sempre teve um papel importantíssimo na história paulista, e nacional também.
Mairiporã surgiu como uma grande região chamada de Juquery Mirim (ou Juqueri) e foi atravessada por bandeirantes como Fernão Dias em busca de pedras preciosas e de expandir as fronteiras do país. A cidade surgiu como assentamento de defesa de São Paulo e não mudou muito por vários anos. A região permanecia intocada. O projeto arquitetônico do Ramos de Azevedo construiu um dos maiores complexos hospitalares do mundo e o maior do Brasil na época. Inaugurado em 1898 pelo psiquiatra Francisco Franco da Rocha, o Asilo de Alienados do Juqueri passa a denominar-se Hospital e Colônia de Juqueri em 1929. Em 1968 teve quase 14 mil internados e permaneceu em um regime de abandono que culminou com um incêndio ainda investigado. Desde a criação da São Paulo railway para Jundiaí foi criada uma estação Juquery que ajudou muito no desenvolvimento da região e posteriormente alavancou o crescimento desordenado da região.
Mairiporã separou-se de Franco da Rocha num acordo histórico que deu fim ao município do Juqueri. Na época a população era muito discriminada por conta do Hospício. Nessa época Ulisses Guimarães disse a frase célebre que ainda hoje ecoa nas paredes mal cuidadas dos prédios públicos: “Juqueri, terra de loucos. Loucos por cidadania”
O nome foi escolhido com cuidado em 1948 e significa Cidade Bonita. As montanhas, o clima da serra, as cachoeiras, rios e pedreiras ainda apresentam uma esperança para o futuro turístico da cidade.
Athos de Campos, compositor de sucessos como “chitãozinho e chororó” veio pra cidade na década de 30 e escreveu o hino municipal, que anos depois seria interpretado por ninguém mais ninguém menos do que Chitãozinho e Chororó.
A cidade ficou então conhecida como o Vale da Música. Atraiu todo tipo de artistas e famosos e até os dias de hoje ainda serve de residência para alguns.
Mara maravilha, Airton Senna (que iria morar aqui se não tivesse falecido), Cássia Kiss, Milton Nascimento, entre outros tiveram seu nome marcado na cidade. Os Mutantes muitas vezes subiam a serra para compor e fazer trocas de casais. Aqui também foi a parada final do grupo Mamonas Assassinas.
Nos anos 50 o que marcou a cidade foi a chegada do cinema com todo seu glamour e sucesso, Mairiporã se projetou como a Hollywood brasileira e a vida comum e pacata dos moradores ficou marcada para sempre. Os barracões da Multifilmes do Brasil de Mário Civelli permanecem hoje abandonados e esquecidos. Os filmes continuam em um desgastante processo de recuperação, e muitos foram dados como perdidos por falta de cuidado.
O primeiro filme colorido da história nacional também fez parte desse acervo, inclusive documentários, comédias...
Muitos atores e artistas famosos participaram de filmes e até começaram suas carreiras aqui:
Lima Duarte, Paulo Autran, Mazzaropi , Ilka Soares, Procópio Ferreira, Eva Wilma, Ítalo Rossi, Herval Rossano, Inezita Barroso, Guido Lazzarini, Orlando Villar, Beatriz Consuelo, Paulo Goulart, Glenn Ford, Tônia Carrero, Adoniran Barbosa(participou de trilhas sonoras e atuou também), alguns jogadores do E.C.Corinthians Paulista, Baltazar, Carbone, Cláudio, Gilmar, Índio, Luizinho, Olavo e Roberto(no primeiro filme brasileiro com temática de futebol).
A rodovia Fernão Dias (BR-381) chegou rasgando a cidade em dois, a represa inundou as fazendas de flores e as olarias, muitas promessas foram feitas e desfeitas. A igreja do Rosário foi demolida e no lugar construiu-se a rodoviária que até hoje é uma mancha de desgosto na face da cidade. A igreja matriz foi desconfigurada e em nada se parece com a igreja barroca que tanto agradava aos moradores, junto com ela os casarões coloniais se perderam e deram lugar a casas e comércios. A cidade não tem museu municipal e poucas pessoas se lembram de seu passado tão rico.
Um retrato da cidade hoje:
Localizada na principal parte da Serra da Cantareira a cidade faz parte da maior floresta urbana nativa do mundo (para evitar dúvidas, a floresta da Tijuca no Rio não é nativa, foi replantada) . A cidade é Patrimônio da Humanidade Pela UNESCO devido à reserva de Mata Atlântica e tem parte da área inclusa no Parque estadual da Cantareira.
A cidade hoje é conhecida por ter a maior taxa de assassinatos por habitante do estado graças à desova de cadáveres vindos de regiões com altas taxas de criminalidade (sim, Mairiporã fica na parte abandonada da grande São Paulo, exatamente no meio de Perus, Parada de taipas, Brasilandia, Guarulhos, Franco da Rocha, Francisco Morato e Caieiras). A cidade se mantém relativamente calma com relação a crimes, as taxas tem aumentado devido a despreocupação por parte das autoridades. A cidade cresce acima da média nacional e a cada novo bairro de classe baixa chegam juntos os problemas de tráfico e de criminalidade.
Hoje em dia a cidade é uma bomba prestes a explodir, a Serra da Cantareira nunca esteve tão devastada pela especulação imobiliária. (Nisso incluem-se bairros regulares e irregulares divididos entre mansões de milhões de reais e casinhas paupérrimas amontoadas na beira da Fernão dias, isso sem falar construções faraônicas como o castelo dos arautos do evangelho e o centro de convenções das testemunhas de Jeová)
A rodovia Fernão Dias foi enfim privatizada, quem sabe finalmente o numero de acidentes gravíssimos seja diminuído, afinal, Mairiporã e Atibaia formam o pior trecho da estrada e contam com o maior índice de mortes. Veremos agora o que será do pedágio que vão colocar exatamente no caminho que liga Mairiporã com São Paulo. Em breve as estradinhas da serra vão estar atoladas de caminhões e cada vez mais degradadas.
Alias a cidade já sofre com o trânsito devido aos pedágios em outras rodovias. Há 15 anos na principal (e única) avenida do centro da cidade era muito comum o trafego de fusquinhas e carroças. Hoje a cidade vive em passagem permanente de carretas e trânsito é cada vez uma nova constante para quem mora por aqui.
A corrupção nos últimos governos reflete grandes problemas para o desenvolvimento da região, a última foi um caso de corrupção na merenda escolar (apareceu até no CQC da band) e adivinha? O prefeito foi reeleito por falta de concorrentes. O único disposto com chances era um que já havia se envolvido com o tráfico e teve todas as contas recusadas por isso abandonou a corrida dando 77% dos votos para o outro.
A cidade permanece em clima de espera, obras paradas, uma rodoviária nova que desabou na primeira chuva que teve, muitas estradas sem asfalto, a menor taxa de água encanada e saneamento básico da grande São Paulo. Alias quase metade da população não tem esgoto contra quase 99% da média da região metropolitana. O maior paradoxo de todos é que a cidade é quase toda da Sabesp há mais de 30 anos quando foi construído o reservatório de água da represa Paiva Castro que abastece quase 12 milhões de pessoas em São Paulo, mas não abastece os menos de 90 mil habitantes da cidade.
A Sabesp não cumpriu nenhum contrato e a prefeitura nunca cobrou. Outra que não cumpriu contratos foi a única e corrupta empresa de ônibus da cidade, a ETM. Ônibus caindo aos pedaços por preços de Dois reais a passagem municipal. De noite não há ônibus, só em época de aula, e eles não vão até o seu bairro em dia de chuva se for estrada de terra, então você tem que ir a pé ou ser um daqueles senhores feudais da serra que possuem carros maiores que a casa de muita gente. Há muito que a população deseja uma empresa para fazer concorrência para baixar os preços e melhorar a qualidade do transporte, mas os acordos nada lícitos com a prefeitura por trás dos panos impedem a cidade de cumprir seus desejos. Outro símbolo disso é o terminal rodoviário, que parece mais um centro comunitário de cachorros, bêbados e sujeira, muita sujeira. O teto cai, vazamentos dos banheiros são constantes e a nova rodoviária empacou de vez.
Ir e vir em Mairiporã é de longe o maior problema de quem mora aqui ou simplesmente vem conhecer a cidade. É vergonhosa também a maneira como é fácil vender terrenos e terrenos em área de preservação com nascentes e tudo mais sem burocracia nenhuma.
Como podem ver a cidade hoje está afundando lentamente nos próprios problemas e em breve a floresta original vai se perder completamente. Quase nada é feito, a prefeitura é relapsa, e a população como toda boa cidade brasileira não dá valor à história da cidade e a importância ecológica.
O futuro da maior metrópole do hemisfério sul depende da água e da floresta da serra da Cantareira e Mantiqueira. Não há como evitar as conseqüências do que estamos fazendo agora, mas há como amenizar o que virá. A Cantareira precisa ser novamente o símbolo de uma cidade justa e cheia de encantos que tanto agradavam paulistanos e brasileiros durante sua poética história.